Autora: Maggie O'Farrell
Editora: Editorial Presença
Número de Páginas: 184
P.V.P. - 13,90€
SINOPSE OFICIAL:
Este romance de Maggie O'Farrel conta a história envolta em mistério da vida de uma mulher que, nos anos de 1930, chega da Índia onde nascera, com os pais e a irmã mais velha, Kitty. Depois disso, a sua existência parece ter-se desvanecido. Sessenta anos mais tarde, Iris Lockart, uma jovem empresária independente é surpreendida por um telefonema a anunciar-lhe que a sua tia-avó terá de deixar o hospital Cauldstone, onde estivera internada durante seis décadas na ala psiquiátrica, e que Iris Lockart é o nome que consta no seu processo como a pessoa directamente responsável por ela. A princípio, Iris não consegue acreditar. Toda a vida tomara como garantido que Kitty, a sua avó, agora uma doente com Alzheimer, era filha única. Os documentos provam, contudo, que ela é a irmã de Kitty. Ainda assim, Esme não passa de uma estranha e uma intrusa que vai obrigar Iris a reconstituir a história familiar, e aquele assombroso segredo que ela talvez preferisse ignorar infunde-lhe um enorme receio.
O VEREDICTO:
O que terá feito Esme para merecer mais de sessenta anos de encarceramento?
Esquecer-se das luvas ou do chapéu de rua?
E Kitty, o que a terá levado a votar a irmã ao esquecimento?
Depois de «Incertezas do Coração», já devia estar devidamente familiarizado com a tensão latente nas obras da irlandesa. Ainda assim, não estava preparado para imergir num labirinto de curiosidade e dúvidas com um clímax tão apoteótico quanto surpreendente. É absolutamente soberbo!
Não se trata de uma leitura fácil, pois está sempre a saltar entre as memórias do passado de Esme, as divagações aleatórias (porém, estranhamente lúcidas) de Kitty e o presente de Iris, mas a história é TÃO genuinamente boa e com um enredo - como dizê-lo? - tão enigmático e intrincado, que até o final nos faz revisitar as últimas páginas aí umas cinco vezes só para nos certificamos que realmente o compreendemos. Continuo, porém, sem ter a certeza absoluta de ter percebido na íntegra o que se terá passado...
«O Estranho Desaparecimento de Esme Lennox» acaba também por ser, em certa medida, uma efabulação do desaparecimento, uma reflexão sobre as doenças mentais e as dissociações e hipóstases daí recorrentes. O desaparecimento metafórico de Esme - como sobreviver num mundo que não nos permite existir? - acaba por ser paralelizável com o oblívio literal de Kitty, que perde um pouco mais de si a cada dia que passa.
«...parecia vir a calhar. Mais nada. Parecia bom de mais para ser verdade. E eu queria tanto ter um filho, tanto. Foi como se um anjo descesse do céu e dissesse, este pode ser teu. Então fui falar com o meu pai porque não se podia fazer nada sem ele, claro. Pedi para falar com ele no escritório e lá ficou, sentado à secretária a olhar para o mata-borrão, enquanto eu falava. E acabei de falar e ele não respondeu. Aguardei, envergando as minhas melhores roupas, porque, por qualquer razão, achara por bem aperaltar-me para fazer esse pedido, como se isso pudesse ajudar. É que não via outra solução, outra forma possível de acabar com o meu tormento. Acho que lho disse e a voz tremeu-me. E ele levantou os olhos, sisudo, porque o que mais detestava era ver mulheres a chorar. Já o dissera muitas vezes. E suspirou. Como entenderes, minha querida, disse, e fez-me sinal para sair. Foi um momento de incredulidade, esse em que saí para o corredor e percebi que era possível, que podia ser. Mas devo dizer muito claramente, que nunca quis...
...incrivelmente fácil. Disse às pessoas, vou para fora uns meses, para o sul. Sim, mudar de ares. Os médicos dizem que o calor faz bem, no meu estado. Sim, estou de bebé. Sim, é maravilhoso. Não, o Duncan não vai comigo. Pois, o emprego. Tudo tão incrivelmente fácil. O problema de mentir é que temos de nos lembrar do que dissemos a quem. E isso foi fácil porque disse a mesma coisa a toda a gente. Foi perfeito. Ninguém desconfiou. Disse ao Duncan: estou de bebé, vou para fora. Nem sequer olhei para ele para ver a sua reacção. Às vezes penso que a minha mãe percebeu. Mas não tenho a certeza. Talvez o meu pai lhe tivesse dito alguma coisa embora ele achasse que o melhor era ela nunca saber. Se ela percebeu, nunca...»
O'Farrell tem uma escrita singela e distinta, alicerçada nas pequenas pistas que nos vai deixando ao longo da narrativa e nos pormenores e descrições requintadas. A sua prosa oferece-nos apontamentos de sabedoria e expõe pequenos vislumbres da sua própria opinião e personalidade - já dizia Picasso que «a arte é uma mentira que revela uma verdade» - pois ao escrever é inevitável deixarmos transparecer um pouco de nós.
«São sempre as tarefas insignificantes que perduram: as lavagens, os cozinhados, as arrumações, as limpezas. Nada de majestoso ou significativo, apenas os ínfimos rituais que mantêm unidas as costuras da vida humana.»
«O Estranho Desaparecimento de Esme Lennox» é um dos melhores livros que já li, mas é tão cruel, tão desconcertante no seu âmago, que me vai perseguir para todo o sempre.